domingo, 29 de junho de 2014

O tempo





Já pararam para reparar que cada vez mais as pessoas querem que a vida aconteça de uma forma mais ágil?

Pode ser a fila de espera para ser atendido, ou o exame físico na consulta, ou o tratamento proposto. Muitos nem querem esperar para auscultar o pulmão, pedem logo uma radiografia. Alguns não querem tomar remédio por 7 dias, perguntam até por injeção que trate mais rápido. 

Quando pedimos para voltar muitas vezes não gostam, querem resolver tudo na hora. Exigem uma rapidez que as vezes a própria natureza não nos permite oferecer. 

Uma virose, por exemplo, que muitos cansam de ouvir e acham que é pouco caso do médico quando recebem esse diagnóstico. Bom, é uma maneira genérica de chamar doenças quando não se consegue confirmar o vírus causador. É bem comum mesmo. Pode ser uma gripe, ou uma gastroenterite, que seja, uma doença que tem seu curso natural causado pelo vírus, sendo autolimitada. Em pouco tempo vai melhorar, mas como assim não resolver o problema hoje? Oferecemos tratamento dos sintomas mas ficam desconfiados pelo diagnóstico. Entendo que muitos médicos não explicam e apenas dizem: uma virose. Realmente nesses casos concordo que é chato ir ao médico para ele dizer só isso.

Muitos saem da consulta pensando 'Como assim, tive febre e nem me deram antibiótico. Que medico ruim'. Poxa, mas se houvesse mais tempo para explicar isso que digo aqui. Se todos estivessem mais dispostos, com mais paciência para explicar, além de ouvir, podíamos ter mais gente saindo da consulta entendendo, concordando com o médico sobre o próprio diagnóstico e que o tratamento é esse mesmo, esperar. 

É difícil desmitificar teorias que as pessoas criam. Amigdalite muitas vezes é causada por vírus, mesmo quando há pus, mas muitos só se satisfazem quando é prescrito antibiótico. Acaba que o uso de antibiótico indiscriminado está a cada ano selecionando mais e mais bactérias resistentes. 

Quando alguém faz uso do antibiótico em tempo inferior que o prescrito pelo médico permite que as bactérias naturalmente menos sensíveis aquele antibiótico continuem a crescer, se proliferar dentro do organismo, chegando a um número de bactérias que antes eram sensíveis, agora se tornam resistentes ao mesmo antibiótico. Então, não devemos banalizar esse uso.

Essa pressa que a vida atual nos cria também pode ser visto nas dietas doidas que as pessoas querem emagrecer 10 kg em sei lá quantas semanas. Recorrem a remédios sem prescrição médica. Se parar para falar da quantidade de remédios que as pessoas se automedicam, teria uma lista para fazer.

Muitos tomam esses remédios por conta própria sem ir ao médico por quererem resolver logo. Pois é, logo logo.. uma pressa que pode mascarar as doenças. 

Hum.. estou com uma lesão dermatológica, passei corticoide e amenizou. Isso pode esconder talvez uma lesão pior que ali existe. Hum.. dor de barriga, tomei um analgésico para amenizar, sumiu e não procurei um médico. Atitudes assim podem esconder uma alteração que serviria de guia pro médico. Muitos chegam em estágio que não esperaríamos por conseguir se automedicar e ir levando até realmente achar que precisa de um médico. 

Escuto muita gente reclamando dos médicos e concordo que muitos deixam a desejar. Mas todos nós, que algum dia fomos pacientes, já paramos para pensar que essa vida corrida, essa exigência de agilidade que o mundo pede realmente pode atrapalhar? Que também pedimos pressa em tratamento, que também ficamos irritados com demora em diagnóstico? Não digo a demora que vemos na saúde pública. Essa realmente não devia acontecer e podia, na verdade, DEVIA ser mais rápida. Só que esse assunto são outros quinhentos, deixamos para outro post. Esse post é apenas para refletir sobre o tempo que exigimos nem sempre é aquele que podemos ter. Há uma distância entre querer e acontecer. Se nesse espaço existe o tempo, precisamos aprender a lidar com ele. 

Não digo para deixarmos de exigir os próprios direitos, como um atendimento bom, mas para que todos nós possamos discernir se estamos extrapolando nessa cede de fazer acontecer, de resolver de forma imediata. 

Não se deslumbre com a rapidez que a internet nos fornece. A vida existe na maioria das vezes com um curso natural que apenas precisamos enxergar.


Um comentário:

  1. Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio

    Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
    Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
    Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
    (Enlacemos as mãos.)

    Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
    Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
    Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
    Mais longe que os deuses.

    Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
    Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
    Mais vale saber passar silenciosamente
    E sem desassosegos grandes.

    Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
    Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
    Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
    E sempre iria ter ao mar.

    Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
    Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
    Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
    Ouvindo correr o rio e vendo-o.

    Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
    No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
    Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
    Pagãos inocentes da decadência.

    Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
    Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
    Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
    Nem fomos mais do que crianças.

    E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
    Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
    Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
    Pagã triste e com flores no regaço.

    Ricardo Reis

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